O Brasil é o país que mais consome agrotóxicos no mundo. Maior produtor agrícola da região Norte, o Pará triplicou a comercialização de agroquímicos por área plantada, entre 2007 e 2013, segundo o Ministério da Saúde. A monocultura de soja e dendê, voltada para a produção de biocombustível, é altamente dependente de agrotóxicos, mas a contaminação também atinge outros produtos, como pimentão, morango, laranja e até mesmo mandioca. Para debater o tema, a Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa do Pará (CDH Alepa) realizou uma reunião, na tarde de segunda-feira (04), com representantes dos Ministérios Públicos Federal e Estadual, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/Pará), Governo do Estado, pesquisadores e movimentos sociais.
Durante a reunião, a promotora de Justiça Agrária da 1ª Região, Eliane Moreira, informou que tem recebido denúncias de aplicação de agrotóxicos na região dos arrozais, em Cachoeira do Arari, no Marajó, por pulverização aérea. Além disso, a maior parte dos estabelecimentos que comercializam os produtos não segue a legislação que obriga receituário para a venda. A promotora também observou a inexistência de unidades de recebimento das embalagens no Estado. “Não existem postos de coleta dos vasilhames, somente em Paragominas. Quem usa agrotóxicos na região do Baixo Tocantins, por exemplo, não vai a Paragominas entregar esses vasilhames. Ou deixa jogado ou reutiliza. E uma mera coleta, uma vez por mês, não supre a necessidade dos postos de coleta”, avaliou. O município de Castanhal desponta como grande polo de venda de agrotóxicos no Estado.
O pesquisador Marcos Mota, do Instituto Evandro Chagas, apresentou dados de uma pesquisa sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde humana. Ele destacou que os empreendimentos na região têm combinado diversos produtos agroquímicos, sem que as autoridades acompanhem as consequências para o meio ambiente e para a população. “A quantidade indiscriminada de agroquímicos está aterrando as nascentes dos igarapés, que são fundamentais para as comunidades. Além disso, os trabalhadores são induzidos a usar glifosato, também conhecido como ‘mata mato’, herbicida já proibido em diversos países por estar associado ao câncer”, informou. “Eles não reconhecem o agroquímico como tóxico”.
A absorção do agrotóxico ocorre pelas vias dérmica, oral, respiratória e também pela visão, provocando alterações no sistema nervoso central e atingindo órgãos vitais, como pulmão, fígado e rins. O pesquisador alertou para o alto índice de subnotificação dos casos de contaminação. “Muitas vezes a pessoa é atendida com sintomas agudos, como taquicardia e quadro respiratório acentuado, mas não se consegue identificar quando ocorre uma contaminação crônica, causando doenças degenerativas. Os estudos também associam o uso de agrotóxicos à má formação dos bebês, causando problemas como lábio leporino e microcefalia”.
Tainá Marajoara, do Ponto de Cultura Alimentar Iacitatá, considera alarmante o uso indiscriminado de agrotóxicos na região e destacou os prejuízos sociais e culturais para o Estado, o país e o mundo. “Não podemos esquecer que alimentação adequada é um direito humano. Por isso, nada mais apropriado do que discutirmos esse tema com a Comissão de Direitos Humanos deste parlamento”. Ela citou exemplos de países que conseguiram, graças à mobilização popular, banir as produções transgênicas e os agrotóxicos. Tainá ressaltou que, pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), as populações tradicionais precisam ser consultadas previamente sobre a monocultura. “Sabemos que não existe cultura sem território, e que nossas práticas culturais ambientais sempre existiram sem agrotóxicos. O Estado fala em desenvolvimento sustentável, mas faz de conta que não existe lei de segurança e soberania alimentar. Hoje já sabemos que cerca de 10% do nosso açaí está contaminado”, denunciou.
O pesquisador Carlos José Passos, da Universidade de Brasília, informou que já existem estudos comprovando a relação entre o uso de agrotóxicos e transtornos de ansiedade, depressão e até suicídio de agricultores. “O Brasil possui uma legislação obsoleta, que não acompanha os estudos científicos. Quando compartilhamos os resultados de uma pesquisa, nos perguntam o que pode ser feito, porque o uso está dentro do limite aceitável, segundo a legislação. Mas é incompressível que, por exemplo, na Europa só seja permitido 0,1 micrograma de glifosato por litro de água, enquanto no Brasil consumimos 500 microgramas de glifosato no mesmo volume de água. Por mais que haja variabilidade, nada explica tal discrepância”. Para o estudioso, as casas legislativas têm muito a fazer, atualizando os quadros regulatórios dos agrotóxicos no Brasil.
A procuradora Fábia de Melo, do Ministério Público Federal, fez um panorama da atuação do órgão desde o Fórum Nacional de Combate aos Agrotóxicos, que realiza reuniões periódicas para atuar com os fóruns estaduais. “Sabemos que a bancada ruralista é extremamente forte no Congresso Nacional, e temos encaminhado ações para enfrentar os pacotes de veneno aprovados. O Brasil favorece os agrotóxicos com isenções tributárias e estimula modelos de produção em que o agroquímico é visto como garantia das safras. Sabemos que o ideal seria a proibição, mas precisamos lutar pelo menos para garantir uma legislação mais restritiva e monitorar as populações que são diretamente atingidas. Nos últimos anos, todas as políticas de redução do uso foram engavetadas e isso colocou todos nós, consumidores, em grupos de risco”.
Para o deputado estadual Carlos Bordalo (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alepa, os dados sobre agrotóxicos no Pará são preocupantes. “Nos reunimos para avaliar esse quadro e desenhar um conjunto de ações comuns. Nosso objetivo é garantir três eixos: controle, redução e banimento do uso de agrotóxicos. O ideal seria um Estado livre de agrotóxicos, para proteção da biodiversidade, das populações tradicionais e do meio ambiente. Mas, se isto não for possível, precisamos pelo menos que esse uso seja controlado, que o Estado se capacite para ter controle da venda, do uso, e desenvolva capacidade de sustentabilidade da sua produção agropecuária”.
Também participaram da reunião Nicolas Pedrosa (Comissão de Direito Agrário da OAB-Pará), Ricardo Negrini (Procuradoria do Meio Ambiente do MPF), Iracema Santos (Adepará), Vera Moreira, Nailda Pantoja e Manoel Diniz (Sespa), Vítor Picanço, Kátia Cavalheiro e Vera Lúcia Tavares (Ministério Público do Estado do Pará) e Ângela de Jesus (Fetagri).