“O povo aqui não é ladrão. Aqui só tem pai de família, trabalhador. A gente só pede que alguém venha olhar por esse povo.”
O apelo vem dos trabalhadores rurais do acampamento Hugo Chavez, a 50 km de Marabá, região sudeste do Estado, que sofreu um ataque no último final de semana. Na quinta-feira (20), a Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor, da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), esteve no local, representada pelo presidente, deputado Carlos Bordalo (PT), e pelos deputados Lélio Costa (PCdoB) e Ozorio Juvenil (PMDB), ambos titulares da comissão, além de representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB – Seção Pará) e Defensoria Pública do Estado, com parlamentares do município.
Criado há cerca de quatro anos, o acampamento Hugo Chavez reúne cerca de 300 famílias e 180 crianças. Os pequenos agricultores vivem do plantio de milho, feijão, abóbora e arroz, entre outros produtos. Parte dessa produção é para consumo próprio e o restante é vendido na feira do município. Durante o atentado, provavelmente praticado por pistoleiros, o acampamento foi alvejado por disparos de arma de fogo e teve parte do terreno incendiada. O agricultor Antônio Ribeiro dos Santos, 67 anos, perdeu boa parte de sua produção. “Só não perdi tudo porque já tinha tirado uma parte”, contou ele durante a diligência.
Nos relatos dos acampados, é evidente o medo de novos atentados. Eles contam que vivem constantemente ameaçados pelos seguranças da fazenda, que chegaram a bloquear uma estrada vicinal que dá acesso à área. “Aqui a gente não dorme, é fazendo revezamento o tempo todo na guarita. A gente fica sem força de procurar a polícia, porque ela não defende a nossa parte”, diz o agricultor Luís Silva, 59 anos.
Segundo os trabalhadores rurais, o primeiro atentado ocorreu no sábado (15) à noite, por volta de 23h. Homens numa caminhonete teriam passado em frente ao acampamento e feito vários disparos. No domingo, logo após o horário do almoço, novo ataque, desta vez incendiando parte da plantação. Acionada na segunda-feira (17), a Delegacia de Conflitos Agrários (DECA) só chegou ao acampamento no dia seguinte e, de acordo com os agricultores, não fez a perícia, deixando inclusive de recolher os cartuchos dos disparos e de observar as marcas de tiros na entrada do acampamento. As provas foram apresentadas pelos trabalhadores sem-terra aos membros da diligência.
Além da grande quantidade de crianças, o Hugo Chavez também chama a atenção pela atuação das mulheres, sobretudo as mais jovens, engajadas desde cedo na luta pelo direito à terra. Rayane Michele, 24, é militante do coletivo estadual Frente de Massa, vinculado ao Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST). Ela e Lisandra Pereira, de 19 anos, integram a equipe de coordenadores do acampamento, e ajudam inclusive na segurança da área. “Ninguém quer guerra, mas não é justo que a gente viva desse jeito, aterrorizado. E se acertam um pai de família, o que vai ser de nós?”, questionam.
Para os deputados estaduais, a situação do acampamento Hugo Chavez é preocupante, considerando o recrudescimento da violência no campo em todo o Brasil, sobretudo na Amazônia, onde a terra é permanente alvo de disputa por parte de grileiros, latifundiários e grandes empresas de exploração mineral. “Estamos diante de uma situação muito grave, resultado da completa perda de direitos da população mais pobre deste país e da total ausência do Estado. Recentemente, tivemos o massacre em Pau D’Arco, onde agentes públicos que deveriam garantir a segurança da população estavam diretamente envolvidos nas mortes, como apontamos no relatório e posteriormente foi confirmado pela perícia. Precisamos agir com firmeza e rapidez para garantir a integridade física dos acampados. Não podemos esperar que outra tragédia aconteça”, afirmou o deputado Carlos Bordalo.
Ameaças
No município de Curionópolis, outro acampamento do MST também vive em clima de constante tensão. Cerca de 120 famílias, com 200 crianças, vivem no acampamento Frei Henri, zona rural do município. Desde 2014, os trabalhadores rurais conseguiram decisão judicial favorável, pois se trata de terra pública, portanto, passível ser destinada à reforma agrária. No entanto, os fazendeiros que ocupam parte do terreno se recusavam a sair do local. Segundo Irmã Deja, uma das coordenadoras do acampamento, o prazo final dado pela Justiça é dia 15 de agosto. “Mas estamos com medo, porque já nos disseram que perderam na Justiça, mas na bala não irão perder”, relatou ela à Comissão de Direitos Humanos.
Os acampados vivem sem qualquer infra-estrutura do Estado. A pequena escola de barro que atende as crianças foi construída pelos próprios trabalhadores. Não há posto de saúde e nem segurança na área. Recentemente, a prefeitura ofereceu professores para a escolinha, mas a gestão municipal não se compromete com outros serviços básicos alegando que se trata de uma “área de conflito”. E assim já se passaram sete anos desde que o acampamento foi criado, dando um destino social a uma terra que antes era improdutiva.
Medidas
Após ouvir os relatos das duas comunidades, a Comissão de Direitos Humanos da Alepa deverá interceder para sensibilizar o Ministério Público Estadual, para garantir uma pronta intervenção nos dois casos. “No caso da Hugo Chavez, nossa preocupação maior é no sentido de evitar mortes, uma tragédia anunciada pela ação cada vez mais truculenta do gerente da fazenda, que ameaça constantemente os acampados. No acampamento Frei Henri, entendemos que é inadmissível que um processo tramitado e julgado, com amplas demonstrações que se trata de área pública, com decisão para desafetação e retorno imediato para patrimônio público, sob o comando do Incra, e consequente efetivação da reforma agrária, por isso vamos sensibilizar o Ministério Público Federal e o Conselho Nacional de Justiça”, explica Carlos Bordalo. A CDHDC também irá realizar, no segundo semestre, duas audiências públicas, em Marabá e Redenção, para debater os conflitos agrários nessa região.