Foto: Thom Pierce / Guardian / Global Witness / UN Environment
Maria do Socorro Silva é a principal voz das comunidades de Barcarena na luta contra a força predatória das grandes mineradoras. À frente da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama), ela tem denunciado, ao longo dos anos, a contaminação do meio ambiente e das populações tradicionais provocada principalmente pelo despejo de rejeitos químicos nos rios da região. Já sofreu ameaças de morte, já viu duas lideranças da associação tombarem. Sua luta já estampou jornais no Brasil e no exterior. Desde a semana passada, Dona Socorro do Burajuba, como é conhecida, voltou à imprensa, desta vez para denunciar a suspensão da distribuição de água mineral pela prefeitura de Barcarena e pela mineradora norueguesa Hydro às famílias atingidas pela contaminação.
Nesta segunda-feira (20), Maria do Socorro esteve na Assembleia Legislativa do Pará, para apresentar essa denúncia aos deputados Carlos Bordalo (PT) e Celso Sabino (PSDB), respectivamente membro e relator da CPI que investiga os danos socioambientais dos grandes projetos na bacia do Rio Pará, a CPI Barcarena. Após a oitiva da promotora da Vara Agrária Eliane Moreira, Maria do Socorro concedeu a seguinte entrevista ao Blog do Bordalo:
O que aconteceu com o abastecimento de água mineral às famílias de Barcarena?
Para algumas famílias, foi suspenso. Isso aconteceu na minha família e na família do meu filho. Eu estou me sentindo vítima de represália e exclusão social, porque sou agricultora, reconhecida como quilombola. Eu bato açaí, eu tenho roça. No começo, minha família não estava incluída, depois passaram a distribuir uma média de seis galões por semana, mas eu não estava incluída, porque a prefeitura e a Hydro nos deixaram de fora, e minha irmã teve que procurar a Defesa Civil. Depois estavam dando oito galões, e isso me ajudava, porque seis galões ficam para consumo, e dois para a roça e bater açaí.
Quantas pessoas vivem na sua casa?
Na minha casa são duas famílias, com dez pessoas ao todo. Agora só oferecem doze galões, seis para cada família. Eles não mandam na minha atividade, que não pode parar. Quer dizer que agora tenho que comprar água para bater e vender meu açaí? Não posso mais ir na roça capinar e plantar porque não tenho água para levar? Por que estão parando a minha atividade? Todos têm ciência disso, a CPI, o Ministério Público Estadual. Algumas famílias não estão recebendo nada, continuam bebendo água poluída e enveneada. E eu fui cortada e excluída, isso é pressão, porque eu faço a denúncia contra esses crimes ambientais, essa bandeira é nossa. Só que não podem tirar minha água, eu sou agricultora, não servidora pública. A Hydro falou que a Defesa Civil que diz quantos copos de água eu preciso consumir por dia na minha casa. Veja que vergonha. Não posso plantar e nem colher, porque não tenho água. Eu quero oito garrafões para a minha família e para a família do meu filho. Tem duas semanas que eu não recebo nada. Meu marido é aposentado e a gente vive da agricultura. A gente é doente, eu tenho problema do rim; meu marido, do estômago. Eu e meu marido temos câncer. Eu estou doente desde 2014.
Como está a sua situação de saúde?
Alguns exames eu fiz. Atestou chumbo, alumínio. Mas eu sou quilombola, não gosto de injeção. Gosto mais de remédio, não de agulha. Às vezes tomo comprimido, remédio caseiro. Às vezes tomo um Tramal, mas seca rápido, parece que coloca uma bomba dentro da gente. Tenho encaminhamentos para fazer um monte de exames. Na primeira vez que me deu um ataque, fiquei uns dez dias sem andar.
Depois de todas as denúncias, o que a Cainquiama espera?
Temos várias ações. A gente pede reparação dos crimes ambientais, que sejam presos os responsáveis, que cuidem da fauna e da flora, das nossas bacias hídricas, para voltar o peixe, para o pescador voltar a pescar e sustentar a família dele, para nós ter o que comer e parar de pedir esmola. A água é um bem público, é nosso, não é da Hydro. Então todo mundo pode usar, mas não pode contaminar.
A senhora continua sendo ameaçada de morte?
Eu pedi para entrar no programa de proteção à testemunha, mas até agora nada. Acho que só vão resolver minha situação quando eu estiver morta no chão. Ainda tenho recebido ameaça, gente estranha de carro, moto, gente diferente me rondando quando vou para um lugar. Isso dá para perceber.
Como a senhora avalia o trabalho da CPI?
Pela primeira vez tivemos uma CPI aberta e a Hydro claramente não teve como esconder nada. Quem tentou esconder, nós fomos lá e entregamos. E por isso a minha vida corre risco. E houve, sim, transbordamento, não foi nada de duto antigo. A Bacia DRS1 é velha, é remendada com sacos de areia. É a primeira bacia feita e não deveria mais ser mais usada, tinha que ser interditada, e os diretores da Hydro deveriam estar na cadeia, porque crime ambiental não caduca. Não se pode deixar a Hydro resolver. Nós temos autoridade e os órgãos brasileiros têm que ser respeitados. Essa empresa tem que respeitar o Brasil, mas eles não respeitam, não vêm depor, mentem. A CPI mostrou que está com o povo, mas os diretores da Hydro têm que responder criminalmente, porque esse crime vem desde 2003, e todo mundo sabe. É um crime de longo tempo e as pessoas estão morrendo, a cada dia um pouquinho. Na minha comunidade, tem muita gente doente, não tem rio, não tem fauna, não tem como plantar. A gente que é teimoso e continua lá, porque a gente não tem salário e precisa comer o que a gente mesmo colhe e planta. A CPI está de parabéns, mas precisamos ver um diretor da Hydro na cadeia.