Comissão de Direitos Humanos visita ocupação onde líder foi assassinada

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“Faz escuro mas eu canto, porque a manhã vai chegar” 
Os versos do poeta Thiago de
Mello estampados na camisa da líder rural Kátia Martins ecoam entre a
comunidade 1º de Janeiro, no município de Castanhal, região Nordeste do Pará.
Há cinco anos, Kátia deixou marido e três filhos na sede do município e
mudou-se para o interior, para se dedicar ao sonho de construir coletivamente
um assentamento, reunindo mais de 100 famílias de trabalhadores rurais. No
último dia 4 de maio, por volta das 20h30, Kátia foi assassinada dentro da
própria casa, na presença do neto, uma criança de sete anos de idade. Os
vizinhos ouviram os disparos e deram o alarme para a comunidade. Mas, quando
chegaram, ela já estava morta, o corpo no sofá, ensanguentado. 
Uma semana depois, as famílias
da Ocupação 1º de Janeiro ainda estão sob o impacto da violência brutal. “Ela
era uma pessoa muito boa e cuidava de todos nós, desde que chegou. Ainda não
‘achemos’ o chão”, diz a dona de casa Maria Antônia, 45 anos, os olhos mareados
pela tristeza. Mãe de doze filhos, dos quais dez são biológicos e dois são
adotivos, Maria Antônia diz que veio morar na ocupação porque precisava de paz.
“Na cidade, além de ter que comprar tudo, a gente chega em casa e é assaltado.
A gente precisa de um pedaço de terra para trabalhar, plantar e criar nossos
filhos. Aqui a gente vivia tranquilo, dormia até com a porta aberta. Agora,
não. Se não tiveram pena de uma mulher sozinha com uma criança, não terão pena
de ninguém”. 

 
Na noite do dia 4 de maio, Kátia Martins participou de uma reunião sobre
merenda escolar, na Comunidade Bacuri, e voltou para casa de carona, na moto de
Evandro Meireles, um dos diretores da associação de agricultores. Evandro conta
que, uma semana antes do assassinato, foi perseguido por motoqueiros não
identificados e chegou a comentar esse fato, mas não podia imaginar o que iria
acontecer. “A irmã Kátia era uma mãe nossa. Ela, mais do que ninguém, lutou
para a gente permanecer aqui. Ela dizia que era a nossa benção”, conta
Evandro. 

Durante quatro anos, a líder
dos agricultores sequer teve sua própria casa. Morava na sede da entidade, onde
prestava atendimento aos trabalhadores e ajudava no que era possível. “Mas ela
não tinha sossego, então começamos a pedir que viesse cuidar do lote dela”,
relata Evandro. Nos finais de semana, o marido e os filhos chegavam. Já o neto
era mais apegado e passava todos os dias com a avó. Na pequena casa de madeira,
com apenas três cômodos e chão de terra batida, quase nenhum móvel e poucos
utensílios domésticos: uma mesa de plástico, um fogão de duas bocas e um
armário pequeno, improvisado na parede. No quarto da criança, nenhum brinquedo:
apenas uma cama de solteiro, duas bicicletas e um carrinho de mão. Depois da
perícia policial, os familiares decidiram queimar o sofá onde Kátia foi
assassinada, mas ainda é possível ver algumas marcas de sangue no balcão de
madeira que divide a sala e a cozinha. No quarto da líder rural, as roupas
ainda jogadas na cama mostram que a família sequer teve condições de resgatar
os pertences deixados. Na parede, um pequeno quadro com os dizeres bíblicos:
“Tudo posso naquele que me fortalece”. 

     
Na última quinta-feira, 11, exatamente uma semana após o assassinato de Kátia,
uma comitiva de entidades defensoras de direitos humanos e trabalhadores do
campo visitou a comunidade. Proposta pela Comissão de Direitos Humanos e Defesa
do Consumidor da Assembleia Legislativa do Pará, a visita movimentou o povoado,
que organizou o espaço de um antigo galpão para receber as autoridades. Na
mesa, representantes da Ordem dos Advogados Brasil (OAB), Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (MST), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Central Única
dos Trabalhadores (CUT), Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado
do Pará (Fetagri), Defensoria Pública Agrária e Sindicato dos Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais de Castanhal (STTR), além do presidente da Comissão de
Direitos Humanos da Alepa, o deputado estadual Carlos Bordalo (PT). Todas as
entidades representadas manifestaram solidariedade às famílias e se
comprometeram a formar um comitê permanente contra a violência no campo. As
primeiras medidas serão pressionar o Instituto de Terras do Pará (Iterpa) pela
regularização fundiária e solicitar ao Governo do Estado programas de
assistência social para as famílias assentadas.  
     
A Associação dos Agricultores Acampados em 1º de Janeiro possui 96 pessoas
cadastradas, mas o número de famílias que vivem no local pode chegar a 200. Na
época da ocupação, o terreno era improdutivo, sendo que parte era usada como
“lixão”, segundo os trabalhadores. Em 05 de agosto de 2016, Kátia Martins
conseguiu judicialmente suspender uma limitar de reintegração de posse ajuizada
por Hiltom Rubim de Assis Jr. Segundo a decisão, não foi comprovado o direito à
posse agrária: “Conforme informação prestada pelo Iterpa, o Estado não
reconheceu a posse do agravado em face do imóvel em questão, que estaria, em
grande parte, em terras públicas”, diz o documento, fixado na parede da
entidade. 

Apesar
do medo e da tristeza, os agricultores afirmam que não deixarão a terra onde
investiram cinco anos de trabalho, construíram suas casas e iniciaram o plantio
de mandioca, milho, pimenta e outros produtos. “Ficaremos aqui e resistiremos.
Agora esperamos a sentença do juiz. Só pedimos que a Justiça agilize, para que
não ocorram mais mortes no campo. A terra é do Estado, é do povo. Por que a
gente precisa morrer para ter o nosso direito?”, diz a agricultora Maria Iranilde.
“A Kátia lutou por nós. Não podemos ir embora. Temos que fazer valer toda a
luta dela”. 

 

“O Estado é cúmplice”

O padre Paulinho, da Comissão Pastoral da Terra, avalia com tristeza e revolta
a situação dos trabalhadores rurais no Pará. “Trata-se de uma ação sistemática
de massacre, de extermínio de lideranças, e isso devido à omissão do Estado,
que não garante direitos, segurança pública aos ameaçados, às comunidades, não
garantindo também direitos humanos como saúde e educação, que são direitos sociais
básicos. Mas, sobretudo, o que causa essa violência é a extrema vulnerabilidade
no sentido jurídico, quer dizer, o Estado que não cumpre o seu papel, que não
faz regularização fundiária. O camponês fica à mercê do poder do capital, sem a
mínima segurança jurídica do seu lote, da sua posse, e isso abre precedentes
para esse rolo compressor do capital, do agronegócio, do poderoso, do
fazendeiro. Também é gravíssima a questão da impunidade. Como é possível dizer
que temos uma democracia, se a terra não foi democratizada, se os direitos
sociais não são garantidos pelo próprio Estado? Então o Estado também é
cúmplice”. 

Ulisses Manaças, da coordenação
nacional do MST, tem alertado as autoridades e a imprensa nacional e
internacional sobre a crescente violência no campo. Em apenas uma semana, foram
assassinados sete trabalhadores rurais no Estado. “A violência e o assassinato
de lideranças na Amazônia e no Pará sempre fizeram parte do nosso cotidiano.
Porém, os crimes eram esparsos. Mas sete assassinatos em uma semana é um número
fora do normal. Então, para nós, isso significa que há uma atmosfera política
que encorajou os latifundiários, os setores atrasados do campo a cometerem
essas ações. É uma forma de pressionar o Estado a impedir que os acampamentos permaneçam
e os assentamentos de reforma agrária sejam criados. Isso porque o governo
Temer abandonou por completo qualquer política de assentamento de famílias e
isso está gerando uma tensão, um conflito, que na ponta resulta em
criminalidade e violência no campo”, diz ele. “Famílias como essas que estão na
zona rural de Castanhal vivem no mais completo abandono, sem direito a nenhuma
política pública do Estado, seja no aspecto da regularização fundiária, seja em
relação à proteção social de mulheres, crianças e idosos. Somente isso já
demonstra o grau de vulnerabilidade dessas famílias. Esse é o combustível real
da violência, como foi o caso do assassinato da Kátia. Estamos diante do
completo descaso de uma política fundiária e da reforma agrária, que está na
origem de todo conflito”. 
Para o deputado Carlos Bordalo,
é necessário agir com firmeza e urgência. “Nessa ocupação vimos um conjunto de
famílias trabalhadoras que estão dando um sentido social para a terra,
usufruída de uma forma produtiva e positiva e, portanto, elas merecem que seja
reconhecido definitivamente o seu direito de permanecer na terra. Desta forma,
iremos solicitar ao Iterpa que acelere o processo de regularização fundiária.
Encontramos as famílias aterrorizadas com a violência, após o assassinato de
sua principal líder de uma forma covarde, na frente do neto, sozinha em casa.
Isso sinaliza para as famílias que elas estão à mercê de ações desse tipo.
Portanto, iremos interferir junto ao Sistema de Segurança Pública para conferir
uma atenção especial a essa comunidade, além de fazer uma cobrança efetiva
junto à Polícia Civil, para que trate a elucidação desse crime como
fundamental, porque a impunidade é a mãe da violência e gera outros crimes. E,
por fim, tentar mobilizar o Estado para dar uma cobertura social a essas
famílias. Espero que desta forma possamos contribuir para que essa ocupação se
torne uma área estabelecida e para que as famílias finalmente tenham
tranquilidade para viver e criar seus filhos”. 
(Reportagem e foto: Márcia Carvalho/ Comissão de Direitos Humanos
da Alepa


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