Por Eliane Oliveira*, colunista da Fórum
Paira no país
um espectro, o do comunismo. Gostaria mesmo de entender a aversão que muitas
pessoas têm contra uma perspectiva política que nunca se realizou de fato. Ser
de esquerda no Brasil e se identificar como tal alimenta esse temor como se
fôssemos, realmente, devoradores de criancinhas.
Explico: Entre
as várias situações absurdas que vivenciei nesses dias de greve do
funcionalismo público aqui no Paraná, uma delas foi perceber que o medo do
“vermelho” é algo ainda mais irracional do que dimensionava. Por mais que
exista um apoio enorme da população em geral em relação ao movimento, quando
vejo manifestações contra, elas se baseiam no senso comum e nas argumentações
falhas sobre as bandeiras vermelhas.
Em plena
manifestação do dia 29 de abril, antes do massacre no Centro Cívico em
Curitiba, uma pessoa passa pelo meu grupo (todos devidamente vestidos com
camisetas com o símbolo do sindicato em vermelho), e diz que só apoiaria o
movimento se baixássemos as bandeiras vermelhas. A pessoa estava identificada
com crachá funcional, ou seja, também é funcionária pública, estava indo para
algum órgão do governo.
Ora, uma busca
rápida na internet já explica o simbolismo da cor para quem luta por mudanças
sociais. O que vigora, no entanto, é uma má vontade ou preguiça de refletir a
respeito, o ódio contra quem representa a esquerda é maior que qualquer
possibilidade de racionalidade, chamar alguém de “comuna” e ou “marxistas” no
sentido pejorativo é coisa de quem não tem Google em casa, só pode.
Entre ler
comentários raivosos, mandando os militantes para Cuba – que poderiam vir
acompanhados das passagens – e ser confrontada pessoalmente com esse discurso,
vai uma distância. Ou seja, militar na internet nos poupa de olhar na cara do
reacionário, do ignorante, do desonesto. Mas quem é do asfalto quente e está
sujeito a receber bombas de gás lacrimogêneo na cabeça tem que saber lidar com
esse tipo de gente. Sim, ela foi vaiada, até porque não parou nem um minuto
para ouvir nossa argumentação.
Se bandeira
branca significa paz relacionada ao fim de batalhas, a vermelha é a cor do
desafio, da luta. Simboliza o sangue derramado por todos aqueles que ousaram
confrontar o poder instituído, buscando estabelecer melhorias para a classe
oprimida. Negar nossa bandeira é legitimar a divisão social e, neste caso em
questão, não perceber qual a sua posição dentro de uma estratificação que
classifica os sujeitos e que determina quem ocupará os espaços de poder.
Poderão me
dizer que o ódio é contra um partido específico, ok, mas isso só reforça minha
teoria de desonestidade e ignorância. Se o problema está em um partido, se
existisse entendimento da significância simbólica das bandeiras vermelhas,
haveria identificação com as causas defendidas e, dessa forma, caberia
questionamentos sobre a legitimidade do uso da cor por tal partido.
Então não, o
problema não está restrito a esse ou aquele partido, mas sim identificado com a
luta representada pela cor vermelha. Defender manutenção de privilégios é
diferente de lutar por direitos coletivos, pela redução das desigualdades e
questionar hierarquia de poder. Repudiar nossas bandeiras é tentar manter à
margem da sociedade sujeitos que estão condenados à anulação social, mas que
mantém a estrutura do capital funcionando.
O argumento de
que a greve tem motivação política é tão raso que só serve mesmo para os
analfabetos políticos que não se dão conta de que, se não fossem ações de
grupos e movimentos sociais, não viveríamos numa democracia.
Sim, toda
greve tem motivação política, o fato de algumas pessoas usarem as ações
coletivas como instrumentos de disputas partidárias é que deve ser questionado,
afinal demonstra o total descompromisso com a seriedade do que está sendo
debatido, buscado, defendido. Não existe greve que não seja política, mesmo que
os sujeitos participantes sejam distintos daqueles que, teoricamente, deveriam
representar os direitos da maioria. É política por ser uma tentativa de
participar de espaços de poder cuja representação coletiva não se efetiva e
determinados interesses são particularizados e egocentrados.
Alguns textos
circulam pela internet sobre o ódio de classes que se instalou no Brasil, mas
acredito que há algo ainda mais tenso, a falta de reconhecimento por parte de
muita gente de qual lado do poder se encontra. Muito proletário achando que é
burguês e, por isso, defendendo causas que são próprias de uma elite que se
esconde na aparência do bom mocismo. Afinal, será que não se dão conta de que
os interesses de quem oprime e explora estão longe de ser o mesmo de quem é explorado?
Comunismo,
esse espectro que ronda a história política brasileira, que serviu para
justificar derrubada de presidente e a instauração da ditadura de 64, é mais
temido do que entendido, muita gente vítima da falta de conhecimento. Como
sempre digo aos meus alunos, conhecimento é poder, então a quem serve a
ignorância histórica e política de pessoas como a que questionou nossa bandeira
vermelha em pleno 29 de abril?
(*) Eliane Oliveira é mestre em
Ciências Sociais e pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares
Afro-Brasileiros (NEIAB) da Universidade Estadual de Maringá/PR (UEM), além de
professora da sociologia da rede pública e particular e feminista negra.
um espectro, o do comunismo. Gostaria mesmo de entender a aversão que muitas
pessoas têm contra uma perspectiva política que nunca se realizou de fato. Ser
de esquerda no Brasil e se identificar como tal alimenta esse temor como se
fôssemos, realmente, devoradores de criancinhas.
Explico: Entre
as várias situações absurdas que vivenciei nesses dias de greve do
funcionalismo público aqui no Paraná, uma delas foi perceber que o medo do
“vermelho” é algo ainda mais irracional do que dimensionava. Por mais que
exista um apoio enorme da população em geral em relação ao movimento, quando
vejo manifestações contra, elas se baseiam no senso comum e nas argumentações
falhas sobre as bandeiras vermelhas.
Em plena
manifestação do dia 29 de abril, antes do massacre no Centro Cívico em
Curitiba, uma pessoa passa pelo meu grupo (todos devidamente vestidos com
camisetas com o símbolo do sindicato em vermelho), e diz que só apoiaria o
movimento se baixássemos as bandeiras vermelhas. A pessoa estava identificada
com crachá funcional, ou seja, também é funcionária pública, estava indo para
algum órgão do governo.
Ora, uma busca
rápida na internet já explica o simbolismo da cor para quem luta por mudanças
sociais. O que vigora, no entanto, é uma má vontade ou preguiça de refletir a
respeito, o ódio contra quem representa a esquerda é maior que qualquer
possibilidade de racionalidade, chamar alguém de “comuna” e ou “marxistas” no
sentido pejorativo é coisa de quem não tem Google em casa, só pode.
Entre ler
comentários raivosos, mandando os militantes para Cuba – que poderiam vir
acompanhados das passagens – e ser confrontada pessoalmente com esse discurso,
vai uma distância. Ou seja, militar na internet nos poupa de olhar na cara do
reacionário, do ignorante, do desonesto. Mas quem é do asfalto quente e está
sujeito a receber bombas de gás lacrimogêneo na cabeça tem que saber lidar com
esse tipo de gente. Sim, ela foi vaiada, até porque não parou nem um minuto
para ouvir nossa argumentação.
Se bandeira
branca significa paz relacionada ao fim de batalhas, a vermelha é a cor do
desafio, da luta. Simboliza o sangue derramado por todos aqueles que ousaram
confrontar o poder instituído, buscando estabelecer melhorias para a classe
oprimida. Negar nossa bandeira é legitimar a divisão social e, neste caso em
questão, não perceber qual a sua posição dentro de uma estratificação que
classifica os sujeitos e que determina quem ocupará os espaços de poder.
Poderão me
dizer que o ódio é contra um partido específico, ok, mas isso só reforça minha
teoria de desonestidade e ignorância. Se o problema está em um partido, se
existisse entendimento da significância simbólica das bandeiras vermelhas,
haveria identificação com as causas defendidas e, dessa forma, caberia
questionamentos sobre a legitimidade do uso da cor por tal partido.
Então não, o
problema não está restrito a esse ou aquele partido, mas sim identificado com a
luta representada pela cor vermelha. Defender manutenção de privilégios é
diferente de lutar por direitos coletivos, pela redução das desigualdades e
questionar hierarquia de poder. Repudiar nossas bandeiras é tentar manter à
margem da sociedade sujeitos que estão condenados à anulação social, mas que
mantém a estrutura do capital funcionando.
O argumento de
que a greve tem motivação política é tão raso que só serve mesmo para os
analfabetos políticos que não se dão conta de que, se não fossem ações de
grupos e movimentos sociais, não viveríamos numa democracia.
Sim, toda
greve tem motivação política, o fato de algumas pessoas usarem as ações
coletivas como instrumentos de disputas partidárias é que deve ser questionado,
afinal demonstra o total descompromisso com a seriedade do que está sendo
debatido, buscado, defendido. Não existe greve que não seja política, mesmo que
os sujeitos participantes sejam distintos daqueles que, teoricamente, deveriam
representar os direitos da maioria. É política por ser uma tentativa de
participar de espaços de poder cuja representação coletiva não se efetiva e
determinados interesses são particularizados e egocentrados.
Alguns textos
circulam pela internet sobre o ódio de classes que se instalou no Brasil, mas
acredito que há algo ainda mais tenso, a falta de reconhecimento por parte de
muita gente de qual lado do poder se encontra. Muito proletário achando que é
burguês e, por isso, defendendo causas que são próprias de uma elite que se
esconde na aparência do bom mocismo. Afinal, será que não se dão conta de que
os interesses de quem oprime e explora estão longe de ser o mesmo de quem é explorado?
Comunismo,
esse espectro que ronda a história política brasileira, que serviu para
justificar derrubada de presidente e a instauração da ditadura de 64, é mais
temido do que entendido, muita gente vítima da falta de conhecimento. Como
sempre digo aos meus alunos, conhecimento é poder, então a quem serve a
ignorância histórica e política de pessoas como a que questionou nossa bandeira
vermelha em pleno 29 de abril?
(*) Eliane Oliveira é mestre em
Ciências Sociais e pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares
Afro-Brasileiros (NEIAB) da Universidade Estadual de Maringá/PR (UEM), além de
professora da sociologia da rede pública e particular e feminista negra.