Artigo – Desumanizar ou Umanizzare, existe diferença ou são apenas oportunidades?

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Ainda no rastro dos massacres ocorridos em Manaus e Boa Vista, tenho
acompanhado várias postagens no Facebook que apontam as soluções para o
problema dos presídios e não raro alguém aponta que a privatização das
penitenciárias é a saída definitiva para, no dizer de um comentário em postagem
de rede social “que os vagabundos paguem pelo que a sociedade gasta para
mantê-los”. Não poderia haver nada mais ingênuo ou, dependendo de quem a usa,
nada mais perverso e friamente calculado que uma afirmação como esta.
A privatização dos presídios foi proposta pela primeira vez em 1761 por
Jeremy Betham, mas mesmo ele já percebia que os abusos advindos desta atividade
poderiam gerar maus tratos aos detentos. Hoje fica claro que seu receio tinha
fundamento, não cabe à iniciativa privada a responsabilidade de cuidar de
pessoas desumanizadas pela sociedade. Para grande parte das pessoas, os
detentos não são mais pessoas, são um tipo de gente inferior, tal como escravos
– o que perdura até hoje na forma de preconceito racial.
Essa desumanização provém da escravidão e de todos os argumentos
religiosos, filosóficos, sociológicos e econômicos que foram utilizados para
justificar sua prática. Nos tempos atuais a desumanização do outro é a melhor
forma de adestrar pessoas para a prática da higiene social, que tem como ralo o
sistema prisional.
Os policiais são adestrados para identificar inimigos públicos que
geralmente veem padronizados pela cor da pele, corte de cabelo, roupas, gírias
e são pessoas achadass com facilidade em bairros periféricos.
A mídia dominante reforça estes rótulos e desumaniza mais ainda suas
vítimas com expressões como “indivíduo”, “marginal”, “vagabundo” e outras que
transformam o criminoso em algo que não é mais humano, algo que se deve
esconder num presídio ou matar de uma vez para acabar com o problema.
E assim vamos desumanizando estas pessoas a ponto de poder vendê-las
novamente como mercadoria, tal como no período da escravidão. Como? Através da
privatização de penitenciárias.
A motivação só poderia ser o lucro.
Na Alemanha Nazista as gigantes do aço Thissen e Krupp, hoje fundidas e
conhecidas como a marca de elevadores Thissen – Krupp, utilizaram-se da mão de
obra escrava de judeus para alavancar seus lucros pagos pelo Reich no esforço
de guerra nazista.
Não preciso nem lembrar que grande parte dos escravos morreu nas
fábricas, afinal não eram humanos, eram judeus. E se não são humanos, por que
alimentá-los?
Noam Chomsky, linguista norte-americano nos ensinou que um método de
manipulação midiática é o chamado “problema – reação – solução”, onde se vende
um “problema” o alto custo do encarceramento destes “bandidos”, “vagabundos”
obviamente já marginalizados, o que gera uma “reação” do público:
 – “Bandido tem que trabalhar para pagar seu salário”;
– “Meus impostos não devem ser usados para pagar indenização pra família
de bandido”;
– “Perdi meu filho num assalto, ninguém vai pagar uma indenização para
mim, mas vagabundo morre na cadeia e a mãe vai receber uma bolada por ter
parido um bandido destes…”
À essa reação é apresentada uma resposta brilhante, inusitada, que
ninguém tinha pensado antes: “vamos privatizar as cadeias, fazer estes
vagabundos pagarem por suas vidas bancadas por nós contribuintes”.
Portanto a
desumanização em si, é condição 
sine qua non criada a
partir de um esquema “problema-reação-solução” empregado para a criação de mão
de obra pra indústria como já vimos, como justificativa para invadir um país e
até como justificativa para pagar pouco para policiais. Afinal, uma variante da
desumanização é a despersonalização, que faz parte do treinamento de qualquer
tropa no mundo inteiro com a justificativa de que é preciso agir em bando para
fortalecer o grupo com uma só ideologia. Sinistro, não?
Pois bem, foi assim que chegamos ao massacre do Complexo Penitenciário
Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, onde 56 ex-pessoas foram esquartejadas,
decapitadas, queimadas e espalhadas por todos os cantos da penitenciária.
Nenhum problema até aí, já que eram “vagabundos. O “porém” é que os vagabundos
em particular estavam sob os cuidados de uma empresa privada com um
contraditório e estiloso nome: Umanizzare.
Nada mais longe da humanização do que partes de corpos espalhados sobre
um chão inundado de sangue.
            Desde
o início estava claro que o massacre ia acontecer. Recentemente, o Mecanismo
Nacional de Combate e Prevenção a Tortura, órgão convenientemente varrido pra
debaixo do tapete pelo Ministro Alexandre de Moraes, nas primeiras horas do
governo golpista, em visita à unidade apontou que os profissionais contratados
pelas empresas não apresentavam qualificação adequada, além de receberem parcos
salários, sofrerem forte rotatividade e não possuírem plano de carreira.
(Qualquer semelhança com o mantra entoado pelas entidades sindicais sobre a
terceirização não é mera coincidência)
           
Entretanto, assusta que nas cenas que vimos pela televisão o presídio não se
pareça com uma unidade prisional privatizada americana que estamos acostumados
a ver no Fantástico (problema – reação – solução). Pelo contrário parece mais
um “Bangu” ou outro cenário de “Tropa de Elite II”, isto se deve ao fato que no
caso do COMPAJ de Manaus o que foi privatizado foi a gestão e não as
instalações penitenciárias, sob as quais a Umanizzare não tem nenhum
compromisso contratual de alterar seus padrões construtivos para implementar
sua suposta humanização.
Pelos valores pagos a Umanizzare parece mais que a mesma foi premiada
pelo Estado do Amazonas por “assumir” aquele pedaço do inferno. Segundo
informação do Presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas, desembargador
Flavio Pascarelli, o valor pago por preso mês é acima da média nacional.
“Constatamos que o governo do Amazonas paga R$ 4,7 mil mensalmente por cada
preso e, esse é um preço diferente dos demais estados, a média nacional é de R$
2,5 mil. É um custo elevado para pouca eficácia do sistema”, disse.
O mesmo desembargador avançou e afirmou: “Esse é um problema que nós
temos que resolver e vamos resolver. A nossa parte (poder judiciário) estamos
fazendo. A polícia prende e a justiça julga. É preciso que se saiba que a parte
de fiscalização e segurança dos presos não é de competência do judiciário”,
disse.
Então é de competência de quem? Pergunta retórica. Sabemos que é do
executivo estadual. A pergunta é retórica, mas pertinente, pois renomado
professor de direito constitucional quando se manifestou sobre o assunto
demonstrou estranheza quanto a responsabilidade sobre as mortes.
O douto confuso é ninguém mais ninguém menos que o Golpista Michel
Temer: “Vocês sabem que lá em Manaus o presídio era terceirizado, era
privatizado e, portanto, não houve, por assim dizer, uma responsabilidade muito
objetiva, muito clara, muito definida dos agentes estatais”, disse o
presidente.
O desconforto é por apenas uma razão. O usurpador geral da república tem
compromisso programático com o tema, se não ele pelo menos seu partido tem. A
privatização de presídios está na pauta da “Agenda Brasil” que o presidente do
Senado apresentou como parte da solução de continuidade que o país precisa para
sair do “vermelho”.
Não é à toa. Esta “Agenda Brasil” que obviamente tem profundas conexões
com a tal “Ponte para o Futuro”, conectam os interesses de grupos empresariais
que se preparam para avançar sobre a desregulamentação do trabalho. Qual é o ápice
da exploração do homem pelo homem? Sem dúvida o trabalho escravo, na versão
moderna as fazendas serão substituídas por prisões e os escravos africanos por
seus descendentes miscigenados com índios e outros degredados da América
Latina.
Mesmo com o fim do financiamento empresarial de campanha, nada impede
que o lobby das prisões Privadas atraque seus porta-aviões no Congresso
Nacional. Já atracaram. Além de Renan, outros parlamentares têm grandes
expectativas com o modelo de negócio. Também pudera, com cifras que chegam a
205 milhões ano fica fácil de convencer qualquer deputado de que a reumanização
dos presos é possível e almejável.
Nesta toada a Umanizzare, nasceu em 2011 e em 2015 já administrava cinco
presídios no Amazonas e dois no Tocantins, embalada pela desumanização
crescente que infla o encarceramento de milhares.
Em entrevista
recente o presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e penitenciária,
 Alamiro Velludo Salvador Netto, afirmou:
“Privatiza-se para que o poder privado consiga aumentar os seus lucros.
Portanto, privatizar o sistema prisional significa buscar mais vagas; e buscar
mais vagas significa buscar mais presos. E, nesse sentido, a privatização
inexoravelmente vem com um projeto de aumento do número ou aumento do número de
pessoas que compõem a população prisional”.
Capitalismo na veia. Contudo, embora o episódio tenha servido para expor
a sanha capitalista por de trás de projetos ditos bons exemplos, o cenário de
alinhamento externo capitaneado pelo entreguista-mor, Ministro José Serra, nos
apresenta nuvens carregadas de liberalismo na forma de: “o que é bom nos
Estados Unidos é bom para o Brasil”
Nos Estados Unidos, o encarceramento privado virou febre junto com a
guerra contra as drogas (coincidência?). Está disseminado nos estados onde
encontra legislações que favorecem os lobbys e perpetuam relações de
apadrinhamento de congressistas estaduais, mas no plano federal o panorama é
diverso.
Em 18 de agosto de 2016, o Governo Federal norte-americano decretou o
fim dos presídios federais privados, por entender o que todo mundo já sabe: são
mais caros e não ressocializam.
A vice-procuradora geral do Departamento de Justiça, Sally Yates,
escreveu em memorando ao Diretor do Birô de prisões que “os presídios privados
não oferecem o mesmo nível de serviços dos presídios operados pelo governo
federal”.
Sally Yates continuou:
“Elas (operadoras privadas) simplesmente não fornecem os serviços
correcionais, os programas e os recursos fornecidos pelos presídios púbicos, e
não garantem nenhuma economia de custos para o país. E, como observado em um
relatório recente do inspetor-geral do Departamento, não oferecem o mesmo nível
de proteção e segurança”.
Dados de relatórios do Departamento de Justiça mostram que são
confiscados oito vezes mais telefones celulares e as taxas de assaltos por
prisioneiros a outros prisioneiros e carcereiros são muito mais altas nas
unidades privadas. Desta forma não serão renovados os contratos de unidades
prisionais privadas com a União e isso é péssimo para o Brasil.
Péssimo, por que a gana destes conglomerados recairá sobre a obtenção de
novos mercados, portanto não se espantem se num domingo próximo a reportagem
especial do Fantástico seja a eficiência do modelo americano de prisões
privadas (estaduais claro), que eles venham detonando o sistema que permitiu o
desastre de Manaus, crucifiquem a Umanizzare e proponham adequações ao sistema
para que este possa ser aplicado no modelo americano puro, pois a versão
brasileira é que era imperfeita.
               
Essa grande indústria tem um pilar central, vender a imagem de que há
diferenças inexoráveis entre tipos de homens, os de bem e os incorrigíveis.
Estes devem livrar-se daqueles, em prisões privadas, com nada de trabalho e
muito dinheiro público jorrando nos bolsos de políticos ligados a
desumanização, a mola que move toda esta cadeia.
               
No Pará, não conheço propostas para este tipo de serviço, mas não me assustaria
com um gracioso Projeto de Lei, que chegasse sorrateiramente no meio de uma
avalanche de projetos que tentem modernizar a estrutura penitenciária do Pará e
aproveitar o novo Plano Nacional de Segurança que tem 3 eixos que reforçam a
desumanização de pessoas:
1.O foco na redução de homicídios;
2.O avanço no combate as drogas e
3.A modernização dos presídios.
Se houvesse um Oscar para melhor roteiro de “problema – reação –
solução” o de 2017 certamente iria para a indústria prisional americana. Já o
Oscar de melhor roteiro adaptado será dado aos governadores que comprarem o
modelo, para não perder a oportunidade que a Umanizzare acabou de perder.
               
Resta saber quem será o porta voz do projeto no Pará, tenho minhas convicções,
mais diferente do que pensa o Procurador Dallagnol não servem como prova e me
calo.

[1] Filippe Burlamaqui Bastos – é Secretário
Executivo da Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor da Assembleia
Legislativa do Pará


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